O concreto é o segundo material mais utilizado na construção civil em números absolutos. Ele também ocupa a segunda posição como um dos principais responsáveis pelas emissões de CO2 na atmosfera, contribuindo com mais ou menos seis por certo das emissões anuais de dióxido de carbono. Embora não sejam dados para orgulhar-se, a popularidade do concreto permanece imaculada, sendo ainda hoje um dos mais queridos materiais de construção para arquitetos do mundo todo. Entretanto, à medida que nós profissionais e também o público em geral nos tornamos cada dia mais conscientes à respeito das suas causas e efeitos não agravamento das mudanças climáticas, o impacto ambiental causado pela indústria do cimento torna-se uma das principais questões a ser debatida. Como resultado disso, designers, arquitetos e pesquisadores do mundo todo estão debatendo e nos ajudando a construir um debate mais amplo sobre qual o futuro do concreto na arquitetura e na indústria da construção civil.
Por milhares de anos, o concreto tem sido o elemento base da construção civil: o material mais amplamente utilizado ao longo da história da humanidade. Seu baixo custo de produção, versatilidade, aplicação rápida e familiaridade com os praticamente todos os envolvidos na indústria da construção civil, fazem com que mais de 22 bilhões de toneladas de concreto sejam despejadas todos os anos. Conforme salientado pelo relatório da BBC, a produção de cimento hoje é trinta vezes maior que em 1950, e quatro vezes a produção dos anos 1990. Isso se deve principalmente pelos esforços de reconstrução da Europa durante o pós segunda guerra, e pelo boom na construção civil na China e na Ásia a partir da década de 1990. À medida que o mercado da construção civil cresce os olhos e avança em direção ao Sudeste Asiático e à África subsaariana, prevê-se que a produção de cimento tenha que aumentar em 25% até 2030 para manter o ritmo esperado.
Se formos examinar minuciosamente a contribuição da indústria da construção civil para o agravamento da mudanças climáticas, o concreto pode ser visto como um dos principais vilões a ser combatido. Como bem colocado por Lucy Rodgers em um recente artigo para a BBC News, “se a indústria do cimento fosse um país, ela seria o terceiro maior emissor de CO2 do planeta terra - atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Ela contribui por cerca de 8% das emissões globais de CO2, muito acima da frota aérea mundial (2,5%) e não muito atrás do setor agrícola (12%). A alarmante notícia, que muitos já sabiam de antemão, foi publicada paralelamente à realização da conferência das mudanças climáticas COP24 da ONU na Polônia. Isso significa que para cumprir os requisitos do Acordo Climático de Paris de 2015, as emissões anuais resultantes da produção de cimento deverão ser reduzidas em 16% até 2030.
Muitas das novas tecnologias e concreto que estão sendo desenvolvidas atualmente, em resposta a estes dados pra lá de assustadores, concentram-se na redução da proporção de cimento nas misturas de concreto. Recentemente, pesquisadores do MIT apresentaram um método experimental de fabricação de cimento que praticamente anula as emissões de CO2. Empregando um revolucionário método eletroquímico, este processo captura o CO2 antes de ser liberado. Com esta descoberta, os pesquisadores agora estão desenvolvendo maneiras de viabilizar este processo, propondo a fixação de carbono como uma solução para a indústria de combustíveis e bebidas.
Um outro caminho possível deriva de pesquisas relacionadas à integração de materiais e elementos de base biológica em misturas de concreto. Recentemente, pesquisadores da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, revelaram uma nova abordagem para melhorar a qualidade do concreto utilizando elementos extraídos de cenouras e outros vegetais. Outra tendência pode ser chamada de “concreto biorretivo”, desenvolvido pela Dra. Sandra Manso-Blanco, um revestimento para o concreto onde é possível incentivar o crescimento de musgos e líquens que podem absorver CO2 em grandes quantidades.
Uma das principais alternativas, e que já está ganhando força na indústria da construção civil, é o GFRC (Concreto Reforçado com Fibras de Vidro) - constituído por uma argamassa de cimento, areia, fibra de vidro álcali resistente e água. A plasticidade é das qualidades mais marcantes do material, o que possibilita moldar painéis de fachada exatamente de acordo com o projeto de arquitetura, também permitindo a produção de peças mais esbeltas e, portanto, mais leves. Para se ter uma ideia, esse é o material utilizado na envoltória do Centro Heydar Aliyev, de Zaha Hadid Architects e vem sendo utilizado para executar as complexas formas da Igreja da Sagrada Família, de Gaudí.
Além de ser um dos principais escritórios a abraçar o uso do GFRC em seus projetos, Zaha Hadid Architects em parceria com a ETH Zurich apresentou recentemente a sua mais nova tecnologia para estruturas de concreto, uma fôrma em malha tridimensional que serve como elemento de modelagem para estruturas curvas de concreto. Como parte da primeira exposição da ZHA na América Latina, o “KnitCandela” é uma homenagem ao arquiteto e engenheiro espanhol-mexicano Felix Candela, reimaginando o legado de suas inovadoras estruturas de concreto através de uma nova e arrojada tecnologia de fôrmas. Com um tempo de fabricação de 36 horas, este sistema maleável permite a concretagem de superfícies de concreto das mais variadas formas curvas e angulares, sem a necessidade de formas rígidas. A trama de tecido utilizada na KnitCandela foi desenvolvido na ETH Zurich e transportada da Suíça para o México em duas pequenas malas, totalizando 350 quilômetros de fio e pesando apenas 25 quilos. As esbeltas conchas de concreto curvo duplo do pavilhão, portanto, pesam cinco toneladas, apesar de sua superfície somar mais de 50 metros quadrados.
Participando ativamente no desenvolvimento de novas tecnologias em parceria com o escritório de Zaha Hadid, a ETH Zurich é hoje uma das principais instituições à frente do desenvolvimento de novas tecnologias em concreto. Com a intenção de maximizar o uso do espaço e minimizar custos de construção, pesquisadores do Departamento de Arquitetura da ETH desenvolveram recentemente uma laje de concreto que, apesar de uma espessura de apenas 2 cm, é capaz de suportar grandes cargas com um alto desempenho estrutural. Ao contrário dos pisos de concreto tradicionais que são evidentemente planos, estas placas são projetadas para arquear e suportar cargas principais, reminiscente dos tetos abobadados encontrados em catedrais góticas. Sem a necessidade de reforços de aço e com menos concreto, a produção de CO2 é minimizada e os pisos de 2 cm resultantes são 70% mais leves do que outras estruturas similares de concreto.
Mais recentemente, a ETH também apresentou ao mundo os diferentes potenciais do concreto impresso em 3D. A “Concrete Choreography”, uma instalação recentemente inaugurada pela ETH em Riom, na Suíça, é a primeira estrutura cenográfica construída em concreto através da impressão 3D e sem a utilização de fôrmas. Em colaboração com o Festival Origem em Riom, na Suíça, a instalação apresenta nove colunas de 2,7 metros de altura, projetadas individualmente com software personalizado e fabricadas com um novo processo robótico de impressão 3D desenvolvido pelo ETH Zurich com o apoio da NCCR DFAB. As estruturas de concreto são vazadas, reduzindo o uso do material e permitindo uma abordagem mais sustentável. Além disso, a textura das superfícies impressas faz lembrar detalhes e ornamentos, exemplificando o potencial estético da impressão em concreto 3D quando usada em estruturas de grande escala.
É claro, portanto, que existem inúmeros futuros em potencial para que o concreto continue sendo utilizado na indústria da arquitetura e construção civil. Tendo sido utilizado por séculos, o concreto moldou as nossas cidades, impulsionando o desenvolvimento humano e nos ajudando a superar antigos limites conhecidos. Agora chegou a hora de reconsiderar a maneira como nos relacionamos também com os seus processos agressivos de fabricação, e como materiais como o concreto e o aço podem nos ajudar a seguir evoluindo de forma mais consciente e sustentável. O principal desafio para nós arquitetos, será incorporar essas novas soluções em nossos processos de concepção e desenvolvimento de projetos de arquitetura, explorando novas formas e processos que atualmente não parecem compatíveis com uma indústria tradicionalmente conservadora como aquela da construção. Caso contrário, devido ao violento impacto ambiental inerente a este material e a conscientização do público em geral, o concreto provavelmente seguirá perdendo espaço para materiais mais sustentáveis.