Atualmente, um dos campos mais promissores para quem trabalha com projetos é aquele que envolve o planejamento das áreas livres, naturais e urbanizadas, que fazem parte da paisagem das cidades. O frágil equilíbrio dos sistemas hídricos urbanos e as consequências sociais da crise climática mundial são exemplos em larga escala dos impactos que a ausência de uma consciência sobre a importância dos ecossistemas naturais tem para a qualidade de vida nas cidades. E é neste sentido que devemos olhar com atenção para o papel do projeto paisagístico e da arquitetura paisagista.
Nesta entrevista conduzida pelo Arquicast, os convidados são profissionais com formações diferentes, mas complementares, que podem ajudar a entender que o projeto da paisagem vai muito além da composição de jardins e pode, de fato, contribuir para um futuro urbano ambientalmente mais equilibrado e socialmente mais justo. A arquiteta e urbanista carioca Lucia Costa, doutora em paisagismo pela University College, em Londres, e uma das fundadoras do mestrado profissional em arquitetura paisagista, no PROURB-UFRJ, conversa com o arquiteto paisagista português Ricardo da Cruz e Sousa, mestre em arquitetura paisagista pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e doutorando em urbanismo pelo PROURB-UFRJ.
De uma forma geral, as disciplinas de paisagismo e de arquitetura paisagista envolvem a concepção, elaboração e execução de intervenções na paisagem, através do projeto e do planejamento, em diferentes escalas e abordagens. A origem da profissão remete ao final do século XIX, quando, inspirado na tradição inglesa, Frederick Law Olmsted realiza nos Estados Unidos projetos de grandes parques públicos como solução para os problemas ambientais das cidades industriais. Mas, como Lúcia faz questão de frisar, o campo do projeto paisagístico sempre se mostrou bastante dinâmico, constituindo hoje um universo disciplinar diferente daquele de quando se formou. Neste sentido, novas temáticas e tecnologias vem ampliando a forma de se compreender e atuar sobre a paisagem, modificando inclusive o próprio conceito, o qual transita em distintos domínios disciplinares como arquitetura, geografia, engenharia, entre outros.
Embora sejam ambas disciplinas projetuais que tem a paisagem como objeto de estudo e intervenção, há diferenças na formação e no escopo profissional que cabe ao paisagista e ao arquiteto paisagista respectivamente. A formação em paisagismo no Brasil está contemplada, desde os anos 30 aproximadamente, nas graduações de Arquitetura e Urbanismo, de Agronomia e em algumas Engenharias. Há um único curso específico de paisagismo oferecido pela Escola de Belas Artes, na Universidade Federal do Rio de Janeiro desde os anos 70; além de um mestrado profissional pela mesma universidade.
As ênfases disciplinares variam de acordo com a graduação, mas, no que se refere à arquitetura, o paisagismo teve grande influência das figuras de Roberto Burle Marx e Rosa Grena Kliass, os quais, em diferentes contextos e coerentes com seu tempo, trouxeram para a práxis do paisagismo a contribuição de interdisciplinaridades como a Botânica e a própria Arquitetura, no caso de Burle Marx; e a Geografia, Hidrologia e Climatologia, no que se refere à prática projetual de Rosa Kliass.
Já a arquitetura paisagista é um campo profissional não regulamentado no Brasil, não havendo uma graduação específica para este fim. Portugal é um país com tradição na disciplina e já conta com quase 80 anos de prática profissional. O curso, que é uma graduação separada da Arquitetura, tem em suas origens a influência da escola alemã Landshaft, orientada ao ordenamento territorial e às ciências agrárias; e foi incialmente implantado como uma especialização dentro da graduação em Engenharia Agrônoma.
Ao tornar-se um curso autônomo, a arquitetura paisagista manteve a ênfase disciplinar baseada nas ciências naturais, associando-as às técnicas e instrumentos das artes clássicas aplicadas ao projeto. Assim como o paisagismo, é um campo com grande abrangência de escala, ocupando-se tanto de intervenções em pequenos jardins residenciais, quanto projetos para grandes ecossistemas urbanos de domínio público. Esta amplitude de atuação e o domínio científico dos sistemas ambientais aplicados ao projeto fazem do arquiteto paisagista um profissional de extrema relevância para o desenvolvimento consciente e sustentável do complexo meio ambiente urbano em que vivemos.