Tentativa e erro. Em um guardanapo, papel manteiga, ou em um fundo preto do CAD, grande parte do trabalho de um arquiteto é fazer e refazer testes, linhas, formas, cópias. Descartar e recomeçar. De uma ideia inicial a um projeto final há um caminho extenuante e longo. Isso porque projetar é tomar infinitas decisões, sendo que uma alteração influencia em outros tantos elementos sendo, enfim, um exercício de escolhas e concessões. Seja conseguir construir o máximo da legislação no terreno sem impactar o entorno e deixando todas as unidades com boa exposição solar, ou encaixar o máximo de mesas de trabalho em um escritório sem perder uma boa circulação e fluidez no espaço, são muitos estudos até chegar na opção mais adequada. Ou, por exemplo, a posição de uma janela, ainda que fique muito bem na composição da fachada, pode inviabilizar a localização da cama em um dormitório ou aumentar muito o consumo energético da edificação.
Evidentemente, em todo o projeto há sempre prazos e orçamentos apertados, um cliente geralmente com pressa e uma quantidade de tempo limitada para se pensar em todas as combinações possíveis e se as decisões projetuais tomadas são, de fato, as mais adequadas. É aí que, cada vez mais, o conceito de Design Generativo (Generative Design) vem aparecendo na arquitetura.
O Design Generativo congrega o projeto paramétrico à inteligência artificial em conjunto com as restrições e dados incluídos pelo projetista. Segundo Celestino Soddu, pesquisador do tema na Universidade Politecnico di Milano há mais de 30 anos, “trata-se de um processo morfogenético que utiliza algoritmos estruturados como sistemas não lineares para obter resultados únicos e irrepetíveis sem fim, executados por um código de ideia, como na natureza” [1]. A analogia com a natureza é elucidativa e permite traçar alguns paralelos. Pegando o exemplo de uma árvore, um grande tronco mais largo e forte na base, resiste a todo o peso e o momento fletor causado pelo vento e o seu próprio peso. Dali, diversos outros galhos vão surgindo, cada vez mais finos, até as últimas folhas. Não há sobras de materiais, e as formas adotadas são as mais adequadas a seu habitat. Em locais com muito vento a composição da árvore será muito diferente de outra em um solo arenoso, e isso se deu a partir da seleção natural através de milhões de anos. Esse mesmo raciocínio pode ser usado na arte, design e arquitetura.
O conceito fundamenta-se na exploração exaustiva de alternativas de projeto, que são derivadas de certos pressupostos definidos pelo projetista, para um fim proposto. “O design generativo é uma estratégia que aumenta os recursos humanos usando algoritmos para automatizar a lógica projetual. Você ainda define os parâmetros, mas, em vez de modelar uma coisa de cada vez, o software de design generativo ajuda você a criar muitas soluções simultaneamente e às vezes até encontrar ‘acidentes felizes’ ou soluções únicas e imprevistas que seriam difíceis de descobrir com métodos tradicionais.” [2]
Por exemplo, o arquiteto brasileiro Guto Requena utilizou o design generativo para criar banquetas cujas formas foram moldadas pelo ritmo e melodia de algumas músicas populares brasileiras. As formas orgânicas resultantes foram, então, cortadas em peças de mármore. Na Holanda, a startup MX3D uniu esforços com Laarman Lab, Heijmans, Autodesk e vários outros apoiadores para criar uma ponte de pedestres produzida com aço impresso em 3D.
A equipe trabalhou com algoritmos generativos para produzir iterações sucessivas de desenho sob um determinado conjunto de parâmetros. Após a determinação de uma forma, foram executadas simulações digitais da ponte, removendo o excesso de material misturando cálculos estruturais com manipulação geométrica, ensinando o algoritmo a reconhecer quais partes da ponte eram menos cruciais. Ou seja, o projeto utilizou Design Generativo, unindo as possibilidades da impressora 3D da máquina a diversos testes de formas e possibilidades de desenho, utilizando uma estrutura mínima.
Outro exemplo é o projeto de pesquisa intitulado Evolving Floor Plans, que explora organizações de plantas arquitetônicas especulativas e otimizadas usando design generativo. Foram geradas salas de aula e a circulação de pessoas em uma escola hipotética através de um algoritmo genético programado para minimizar o tempo de caminhada, uso dos corredores, entre outros parâmetros. A planta baixa "evolui" a partir de codificação genética usando métodos indiretos, como contração de gráficos e corredores crescentes, usando um algoritmo inspirado em colônias de formigas.
Mas nem sempre o design generativo gerará formas complexas e super orgânicas. Ele pode contribuir para processos repetitivos e chatos de projeto que estamos muito acostumados. E isso pode se dar em diversas escalas. No ano passado, a Sidewalk Labs anunciou o desenvolvimento de uma ferramenta de design generativo que usa aprendizado de máquina e design computacional para criar cenários de planejamento urbano. Utilizando informações geográficas, diretrizes e normativas urbanísticas, layouts de ruas, orientação, padrões climáticos e alturas de construção como dados de entrada, a ferramenta gera uma série de cenários possíveis para arquitetos e planejadores avaliarem e refinarem o produto final. Com o aprendizado de máquina, o sistema tem a capacidade de melhorar a tarefa e gerar projetos aprimorados à medida que acumula experiência.
Para o projeto dos escritórios da Autodesk em Toronto, o Design Generativo teve papel essencial. O processo foi iniciado coletando opiniões de funcionários e gerentes sobre estilos de trabalho e preferências de localização, que foram transformados em dados. Daí, seis parâmetros principais e mensuráveis foram definidos:
Evidentemente, havia elementos que não poderiam ser alterados, como as circulações verticais, os banheiros e instalações hidráulicas e a estrutura da edificação. O processo foi automatizado para explorar milhares de configurações de layout, a partir de centenas de variáveis combinadas, obtendo-se a classificação de desempenho de cada uma das opções para os parâmetros apontados. Interessante indicar que, com o uso do espaço após a ocupação, observando produtividade e os locais mais usados, é possível validar ou alterar alguns dos parâmetros e algoritmos, para tornar o modelo ainda mais acurado para esse ou outros projetos. Também, se algum dos parâmetros se alterar, como aumentar ou diminuir o número de equipes ou mesmo se será necessário um novo auditório, pode-se inclui-los no banco de dados para criar novas iterações.
Em um projeto baseado no conceito de Generative Design, o computador deixa de ser somente um local para graficação do projeto, ou mesmo de registro de materiais e geometrias. Ele torna-se um coautor do projeto, apresentando múltiplas alternativas projetuais, inclusive classificando-as das mais às menos adequadas segundo pré-requisitos, a partir das premissas pontuadas pelo projetista. Os computadores podem ajudar a organizar e priorizar essas decisões, mas na verdade não podem tomá-las. Somente as pessoas podem decidir o que é importante.
Como David Benjamin, arquiteto fundador do estúdio de pesquisa The Living destaca: “Enquanto um algoritmo ainda é apenas um algoritmo, somente um humano decide qual problema resolver, quais objetivos devem ser alcançados e quais fatores são mais importantes para resolver um problema. Os computadores podem ajudar a organizar e priorizar essas decisões, mas na verdade não podem tomá-las. Somente as pessoas podem decidir o que é importante. O design generativo oferece aos arquitetos, engenheiros e construtores nova liberdade para projetar e criar um mundo melhor.”
Notas
[1] Site oficial de Celestino Soddu e Enrica Colabella architects. Disponível neste link.
[2] Ebook Autodesk. Demystifying Generative Design For Architecture, Engineering, and Construction.
Disponível neste link.
Publicado originalmente em 16/04/2020, atualizado em 18/03/2021 por Eduardo Souza