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05 May
05May

Hoje você abrirá as portas de sua casa para receber os colegas em uma reunião de trabalho. A mesa está preparada à beira da piscina de borda infinita, sob a sombra de uma imensa estrutura metálica curva, que remete aos projetos mais audaciosos de Zaha Hadid, exceto pela ausência completa de pilares. Pairando no ar, essa cobertura completa o cenário idílico do rochedo onde está inserida a mansão. A casa foi adquirida recentemente através do NFT e é acessada digitalmente via código criptografado. Pois é, essa é a sua casa virtual. A física é um pequeno apartamento de 40m2 no centro de uma das metrópoles mais movimentadas e poluídas do sul global.

A cena é futurística, mas está muito mais perto da nossa realidade do que imaginamos. A primeira casa digital NFT foi vendida no mês passado pelo valor de 500 mil dólares. Projetada pela artista Krista Kim, a Mars House é composta por planos transparentes em tons magenta e azul, inserida em uma paisagem montanhosa com um eterno pôr-do-sol. Kim a considera como uma “escultura de luz” e, segundo suas próprias palavras seu desejo é que ela possa se sentar na sala de estar da MH com amigos em realidade aumentada, conversando e bebendo champagne. 

Quer que suas reuniões via zoom sejam feitas ali e, eventualmente, deseja transpor a MH sobre o ambiente físico, sempre que puder. Enquanto esse tipo de interação ainda não é possível, sua intenção está baseada em fornecer um ambiente meditativo, acessado pela tela do computador ou celular, segundo Kim, uma espécie de jardim zen digital. Uma situação definitivamente relacionada à pandemia de COVID-19 ao fortalecer os mundos virtuais paralelos com representações oníricas que escancaram o desejo de escapar do mundo físico por meio de instrumentos digitais de bem-estar. 

A venda da MH marca o início de uma nova era, a qual alguns estudiosos chamam de “realidade híbrida”, possibilitada principalmente pela criação do NFT Non-fungible Token" ("Token não-fungível", em tradução livre). Em poucas palavras, o NFT é um certificado de autenticidade baseado em blockchain que pode ser atribuído à arquivos digitais para verificar sua origem e propriedade. Ele pode ser atrelado a qualquer item digital, imagem, vídeo, música, postagem na rede social, memes etc. e o faz único perante o mundo. Uma estratégia de comercialização da produção digital que acaba por atrair investidores e colecionadores. 

A criação do NFT revoluciona a produção artística virtual, fazendo com que obras digitais originais, que são por sua condição facilmente duplicáveis, possam ser negociadas com lucro da mesma forma que obras de arte não-digitais.

Nossas avós colecionavam pratos, nós, agora, podemos colecionar memes. O NFT está ganhando cada vez mais espaço nas mídias com transações milionárias como a venda do meme Nyan Cat, os óculos de sol “deal with it” ou o primeiro tweet da história feito pelo fundador do Twitter, que foram recentemente a leilão. No nosso âmbito arquitetônico, além da Mars House, o designer Andrés Reisinger faturou 450 mil dólares com a venda da sua coleção de móveis digitais. Diferentemente da MH, os móveis de Reisinger já permitem uma certa dose de “interatividade”, já que eles podem ser colocados em qualquer espaço virtual 3D compartilhado, incluindo aplicativos de realidade virtual e aumentada, jogos, animações e filmes.

De qualquer forma, apesar de ainda não possibilitar uma interação mais especifica, a Mars House abre precedentes históricos para uma nova vertente dentro da arquitetura. Diferentemente dos modelos virtuais que estamos acostumados a lidar, a arquitetura NFT vai além de ser apenas um instrumento de apresentação de projeto, mas atribui à criação uma qualidade de obra de arte, muito antes de ser de fato construída. E, justamente por essa ausência de vínculo com o mundo material, possibilita um renascimento criativo e artístico com uma áurea etérea onde a beleza e o valor residem na liberdade de estruturas infundadas e impossíveis, mas que, nem por isso, não podem ser habitadas ou sentidas – mesmo que virtualmente. Seria como percorrer o incrível Mausoléu de Newton em sua enorme esfera impossível de ser materializada, oferecendo visões do que poderia ser, sem se preocupar se a utopia pode ser construída ou não. Uma condição que nos permite desenvolver conceitos que ampliam os limites da profissão.

Chris Precht, arquiteto austríaco e entusiasta da tecnologia NFT afirmou recentemente que a arquitetura NFT significará ainda a criação de oportunidades, especialmente para jovens arquitetos e pequenos escritórios que poderão futuramente vender as versões digitais de seus projetos e arrecadar dinheiro para projetos físicos.

Apesar de ainda não ser possível interagirmos em arquiteturas NFT, estamos a um pequeno passo disso, e a quantia exorbitante pela qual a Mars House foi vendida denuncia esse futuro. Parece mais um episódio de Black Mirror, mas é a mais pura realidade – virtual.

Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily